Publicado por: Djalma Santos | 25 de abril de 2013

PEROXISSOMOS

Os peroxissomos ou peroxissomas são organoides geralmente esféricos, presentes em células eucarióticas e em todos os tecidos, principalmente fígado e rins, onde têm sido bem estudados. São formados por uma membrana lipoproteica que contém algumas enzimas funcionais na face interna. A maioria delas, entretanto, responsáveis pelas diversas funções exercidas por esse organoide, está dispersa na sua matriz, das quais a catalase representa cerca de 40%. Devido à ausência de DNA, todas as proteínas presentes nos peroxissomos são codificadas pelo genoma nuclear.

Eles foram descritos pela primeira vez, por Rodhin (1954), no citoplasma do túbulo renal proximal de camundongo, sendo, na ocasião, denominados microcorpos. Sua caracterização bioquímica, entretanto, só foi feita em 1966 por De Duve  e Baudhuin. Nesta data, esses pesquisadores verificaram a presença de enzimas geradoras de peróxido de hidrogênio (glicolato oxidase, urato oxidase e D-aminoácido oxidase), assim como a catalase, enzima que degrada o peróxido de hidrogênio (“água oxigenada”), substância fortemente oxidante, em água (H2O) e oxigênio (O2). Não sendo rapidamente eliminado, o peróxido de hidrogênio será extremamente prejudicial à célula. Por tudo isso,   De Duve  e Baudhuin propuseram a designação peroxissoma em substituição a microcorpos. Os peroxissomos armazenam, portanto, diferentes enzimas relacionadas com o metabolismo do peróxido de hidrogênio (H2O2). A “água oxigenada”, formada normal e continuamente no interior da célula, como subproduto de diversas reações bioquímicas, como durante a degradação de glicídios, lipídios e aminoácidos, é potencialmente tóxica para a célula, por ser uma fonte de radicais livres. Dessa forma, ela pode, em grande quantidade, causar sérios danos às células. Atuando, por exemplo, sobre o DNA e outras moléculas, o H2O2 pode causar um grande número de enfermidades nos seres humanos, tais como doenças neurodegenerativas (doença de Parkinson, doença de Alzheimer e esclerose múltipla), doenças cronicoinflamatórias, doenças vasculares e câncer.

Em função de conter algumas enzimas que degradam gorduras e aminoácidos, os peroxissomo foram, durante algum tempo, confundidos com os lisossomos. Sabe-se hoje, entretanto, que eles diferem dos lisossomos principalmente quanto aos tipos de enzimas que possuem. Acrescente-se, ainda, que, ao contrário dos lisossomos, que se originam do complexo golgiense, os peroxissomos absorvem proteínas e lipídios diretamente do hialoplasma.

O conteúdo enzimático dos peroxissomos, bem como seu tamanho e forma, variam muito conforme o tipo celular e as condições fisiológicas consideradas. Nos seres humanos, por exemplo, eles são particularmente abundantes no fígado e no rim, ocorrendo em menor número e tamanho nos fibroblastos e no cérebro. Eles formam, na verdade, uma família de organelas com funções específicas em tipos celulares diversos. Observa-se, ainda, que em uma célula nem todos os peroxissomos têm a mesma composição enzimática. Essas enzimas são produzidas pelos polirribossomos do citosol, conforme as “necessidades” da célula e, muitas vezes, como uma adaptação à destruição de moléculas estranhas que penetram na célula, como álcool etílico e drogas diversas. Para se ter uma ideia, cerca de 25% do álcool que ingerimos é oxidado a acetaldeído no fígado, por enzimas presentes nos peroxissomos. Nos mamíferos em geral, eles são bastante numerosos nas células renais e hepáticas, chegando a ocupar até 2% nas células do fígado. Nesses órgãos, eles realizam a desintoxicação do organismo, oxidando substâncias absorvidas do sangue.

Sabe-se, atualmente, que esses organoides catalisam um grande número de reações essenciais de diferentes rotas metabólicas, desempenhando, dessa forma, um papel muito importante no metabolismo intermediário. Um dos mais importantes processos metabólicos em que o peroxissomo está envolvido é a beta-oxidação dos ácidos graxos de cadeia muito longa (VLCFA do inglês Very long Chais Fatty Acids). Os peroxissomos também estão envolvidos, dentre outros processos, na biossíntese de fosfolipídios; de ácidos biliares; de colesterol e de intermediários de colesterol; na síntese de plasmalógenos [lipídios encontrados na bainha (bainha de mielina) que reveste os neurônios]; no metabolismo de aminoácidos e de purina; na oxidação de cadeia ramificada de ácidos dicarboxílicos e de ácidos graxos polinssaturados. Dada a sua multiplicidade de funções, as disfunções relacionadas com o peroxissomo também é diversificada em suas manifestações. Essas disfunções são conhecidas como distúrbios peroxissomiais ou doenças peroxissomiais.

Além de atuar na neutralização de produtos tóxicos como vimos acima, os peroxissomos também participam da fotorrespiração (matéria publicada neste blog em 20/09/2010) e da degradação dos ácidos graxos, produzindo acetil-CoA (acetil coenzima A). Este composto pode penetrar nas mitocôndrias, onde irá participar da síntese de ATP, através do ciclo de Krebs, ou ser utilizado em outros compartimentos citoplasmáticos para a síntese de diversas moléculas. Calcula-se que cerca de 30% dos ácidos graxos sejam oxidados em acetil-CoA nos peroxissomos.

Os peroxissomos ou mais especificamente os glioxissomos, também são importantes reguladores do processo germinativo vegetal. Eles promovem a conversão de lipídios, armazenados nas sementes, em glicídios, que são utilizados nas primeiras etapas do desenvolvimento da planta. Essas reações conhecidas como ciclo do glioxilato ou ciclo do ácido glioxílico, levou a que esses peroxissomos fossem batizados de glioxissomos (ou glioxissomas), que são, em última análise, peroxissomos especializados.  Os glioxissomos vegetais, que ocorrem apenas durante a germinação das sementes, e os peroxissomos são, em última análise, similares em estrutura e função. As células animais, em contra partida, são incapazes de converter ácidos graxos em carboidratos, não realizando, portanto, o ciclo do ácido glioxílico.

Os peroxissomos se duplicam por fissão binária de peroxissomos preexistentes, após crescerem graças à penetração de proteínas sintetizadas nos polirribossomos livres no citosol. Essas proteínas possuem um sinal, sequência especial de três aminoácidos (serina, lisina, leucina) próximo a sua extremidade carboxílica, que é reconhecido por receptores da membrana. Essas sequências, denominadas peroxinas, participam do mecanismo movido pela hidrólise de ATP, sendo, portanto, um processo ativo. Dessa forma, os peroxissomos crescem e, após atingirem um determinado tamanho, dividem-se por fissão. As moléculas que ficam presas nas membranas dos peroxissomos, promovendo saliências na face citoplasmática e funcionando como receptores, também são sintetizadas nos polirribossomos livres. A divisão desses organoides tem como principais objetivos repor os que sofreram autofagia e compensar a sua redução numérica, sofrida durante a divisão celular. Sua proliferação pode ocorrer também em resposta a diferentes estímulos externos, levando a um processo de divisão regulada, independente da mitose. Findo o estímulo responsável pela proliferação, a homeostase celular relativa ao número desses organoides é restabelecida por autofagia. Alterações que afetam a síntese ou o endereçamento dos peroxissomos levam a sérias anomalias neurológicas, hepáticas e renais, que comprometem a sobrevida dos seres afetados. Os peroxissomos possuem vida média de, aproximadamente, 5 dias, ao fim dos quais são destruídos por autofagia.

Doenças peroxissomiais

São conhecidas várias doenças humanas ligadas a disfunções dos peroxissomos, a maioria delas com comprometimento neurológico severo (retardo psicomotor, hipotonia, convulsões, deficiência auditiva e comprometimento ocular). Essas disfunções estão, portanto, associadas a mudanças fundamentais e até mesmo fatais no desenvolvimento neurológico humano. As doenças peroxissomiais são, em última análise, um grupo de doenças metabólicas geneticamente heterogêneas que compartilham disfunções peroxissomais. Essas doenças costumam ser subdivididas em 2 grandes grupos: grupo 1 e grupo 2.

As do grupo 1 apresentam como causa, defeitos generalizados na biogênese dos peroxissomos, provocando múltiplas alterações funcionais. Nelas, a organela não é formada normalmente, já que as proteínas não são importadas, sendo degradas no citoplasma. As células, neste caso, não perderam a capacidade de sintetizar as enzimas típicas dos peroxissomos, mas sim a capacidade de transferi-las para o interior do organoide. Como consequência, o peroxissomo se apresenta vazio, sendo constituído apenas pela membrana. Em função disto, as várias atividades peroxissomias se tornam deficientes. A síndrome de Zellweger é um exemplo de doenças do grupo 1.  Essa doença, rara, autossômica e recessiva, interfere no desenvolvimento do cérebro e no crescimento da bainha de mielina. A síndrome de Zellweger foi descrita, clinicamente, pela primeira vez em 1964, por Hans Ulrich Zellweger, tendo sido a primeira doença  peroxissomial descoberta. Foi somente em 1973, entretanto, que um grupo de pesquisadores, liderados por Goldficher, associou essa enfermidade com distúrbios peroximiais. Desde então, os peroxissomos passaram a ser alvos de intensos estudos.

Nas doenças do grupo 2, a estrutura do organoide está intacta e presente, ocorrendo um defeito em uma simples enzima peroxissomial, fazendo com que apenas uma via metabólica seja afetada. Neste caso, ocorre acúmulo de substratos e falta dos seus respectivos produtos. Como exemplos de doenças desse grupo citamos a adrenoleucodistrofia, a hiperoxaluria tipo I, a acatalassemia e a doença de Refsum.

A adrenoleucodistrofia, também conhecida como ALD (desmielinização do hemisfério direito) e a mais comum do grupo 2, é uma doença incluída no grupo das leucodistrofias que afeta, aproximadamente, 1 em cada 20.000 pessoas, de todas as raças. Trata-se de um transtorno recessivo ligado ao cromossomo X (herança ligada ao sexo), por isso também denominada X-ALD, que compromete, principalmente, a substância branca e os axônios do sistema nervoso central; as células de Leydig; e o córtex adrenal. O filme Lorenzo’s Oil (“O óleo de Lorenzo”) trata da manifestação dessa doença e da busca pela cura por parte dos pais de Lorenzo Michael Murphy Odone, portador de ALD.

A hiperoxaluria tipo I é uma doença metabólica autossômica recessiva e rara. Ela está associada a uma deficiência na atividade de uma enzima hepática peroxissomial a L-alanina: glioxilato aminotransferase (AGT), que normalmente converte o glioxilato em glicina. A referida deficiência resulta em um aumento da concentração de glioxilato, que é convertido em oxalato, cuja deposição, em grande quantidade, leva a uma insuficiência renal. O aumento de oxalato circulante leva a sua deposição nos tecidos em geral, causando, também, defeitos de condução cardíaca, hipertensão e limitação da mobilidade articular.

A acatalassemia (catalassemia ou enfermidade de Takahara) é doença autossômica recessiva rara, que se caracteriza por uma deficiência na atividade da catalase. Foi descrita, pela primeira vez, no  Japão,  por Takahara e Miyamoto (1948). Na ocasião, eles observaram que a aplicação de peróxido de hidrogênio em áreas ulceradas, relativas a um caso de gangrena oral progressiva, não liberava oxigênio. Em geral é uma doença benigna e assintomática, mas pode estar associada a ulcerações orais e a gangrena, bem como a diabetes mellitus e a aterosclerose em certas populações.

A doença de Refsum é uma enfermidade neurológica, autossômica recessiva rara, provocada por desordem peroxomial, que resulta na má formação da bainha de mielina das células cerebrais, afetando diversos sistemas do organismo. Ela é causada por uma enzima defeituosa que se mostra incapaz de catalisar a alfa-oxidação do ácido fitânico, produto do metabolismo das gorduras, que se acumula no plasma e nos tecidos. Esse acúmulo dá início à morte celular dos astrócitos, ativando a rota de apoptose mitocondrial. Os primeiros casos dessa doença foram relatados, em 1945 por Sigvald Refsum, que, na ocasião a denominou heredophathia ataxia polyneuritiformis. Pacientes com essa doença apresentam degeneração cerebelar e neuropatia periférica. Os sintomas incluem também a cegueira noturna, pele seca, deformidades esqueléticas, dificuldade de audição e problemas oftalmológicos, inclusive cataratas.


Respostas

  1. Obrigada por dividir a sabedoria com leigos, como eu.
    Vou apresentar um seminario na faculdade sobre a organela em foco e foi de grande ajuda suas informações.
    Belo texto.
    Continue assim!


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