Publicado por: Djalma Santos | 12 de março de 2011

OPERON

O modelo operon foi proposto, em 1961, por François Jacob e Jacques Monod para explicar um determinado controle sobre a atividade dos genes nos procariontes. Percebe-se que, quando a Escherichia coli (bacilo presente no intestino humano) é cultivada em um meio nutritivo sem lactose, o número de beta-galactosidase (enzima que decompõe a lactose em galactose e glicose), por célula, é bastante reduzido (cerca de 3 a 5 moléculas). Na ausência de lactose não há, portanto, “necessidade” de “gastar” energia produzindo enzimas que atuam no metabolismo desse açúcar. Quando a lactose é adicionada ao meio de cultura e penetra na célula, esse número aumenta de cerca de 1.000 vezes (chegando a atingir até 5.000 moléculas por célula), indicando que a lactose induz (ativa), de certa forma, a síntese da beta-galactosidase. Quando a glicose é adicionada junto com a lactose, a indução não ocorre. Nesse caso, a glicose inibe o efeito indutor da lactose. O modelo operon, exemplo clássico de análise experimental e raciocínio dedutivo, representou o primeiro avanço de peso para o entendimento do “liga” e “desliga” dos genes. Em 1965, François Jacob e Jacques Monod dividiram o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina com Michel André Lwoff por suas descobertas sobre o operon e a síntese de vírus. A figura abaixo mostra a hidrólise da lactose catalisada pela beta-galactosidase.

01.beta

No que concerne ao conceito, o operon, sistema muito comum na organização dos genes bacterianos, pode ser considerado como um conjunto de genes adjacentes controlados por um operador. Todos esses genes são transcritos em apenas um RNA mensageiro (RNAm policistrônico), que dá origem, através da tradução, a uma série de enzimas que trabalham associadas em uma via bioquímica integrada. O operon, unidade genética de expressão controlada, é constituído pelos seguintes genes: (a) gene promotor (P), segmento do DNA que fornece um local para a RNA polimerase se ligar e iniciar a transcrição (figura a seguir); (b) gene operador (O), sítio onde se encaixa a proteína repressora, bloqueando a transcrição; (c) um ou mais genes estruturais que informa(m) ou determina(m) a estrutura da(s) proteína(s) que representa(m) a atividade gênica do operon. No exemplo do operon relacionado com a lactose (operon lac), que estudaremos adiante, essas proteínas são: beta-galactosidase (produto do gene lacZ), lactose permease (produzida pelo gene lacY) e beta-galactosidase transacetilase (sintetizada a partir do gene lacA). Essas enzimas não são necessárias durante todo tempo, mas apenas quando a lactose está disponível para a bactéria. Quando necessária, entretanto, o são em conjunto, devendo ser sintetizadas de modo coordenado. A beta-galactosidase, como mostramos acima, catalisa a hidrólise do dissacarídeo lactose em suas unidades de monossacarídeos, glactose e glicose. A galactose é, posteriormente, convertida em glicose que é metabolizada por várias vias metabólicas, como a glicólise (ciclo de Embden-Meyerhoff). A lactose permease ocorre na membrana celular e participa do transporte de açúcares, incluindo a lactose, através da plasmalema, estando, dessa forma, envolvida na transferência de açúcares do meio extracelular para o interior da célula. A beta-galactosidase transacetilase, por seu turno, transfere um grupo acetil do acetil CoA para a beta-galactosidase, atividade associada a reações de desintoxicação e excreção de beta-galactosídeos tóxicos. Como se pode constatar, o operon lac possui três genes estruturais denominados lacZ, lacY e lacA. Esses genes são adjacentes um ao outro e são transcritos, consecutivamente, ao longo de uma única cadeia de DNA, dando como resultado uma única molécula de RNAm que codifica para mais de uma proteína (RNAm policistrônico), como vimos acima. A quantidade dessas enzimas, entretanto, não é a mesma. Sabe-se, por exemplo, que são sintetizadas mais cópias da beta-galactosidase que da lactose permease e da beta-galactosidase transacetilase, numa proporção, aproximada, de 1:1/2:1/5, respectivamente. Isto se deve, principalmente, ao fato de os ribossomos que se unem aos diferentes sítios de iniciação ao longo do RNAm o fazerem com velocidades diferentes segundo as sequências nucleotídicas iniciadoras. A expressão do operon, por outro lado, depende da ação do gene regulador (lacR ou lacI), que, embora não se situe, necessariamente, adjacente ao operador, tem como função codificar uma proteína repressora (repressor de lactose). Dessa forma, o produto gênico de lacR, embora esteja intimamente envolvido na utilização da lactose, não está diretamente relacionado com a captação nem com a hidrólise desse açúcar. A caracterização da molécula repressora fechou um ciclo em nosso conhecimento dos processos moleculares associados à atividade vital. Neste contexto, já se sabia que o DNA “produz” proteínas, usando o RNA como intermediário; agora sabemos também como algumas proteínas se ligam ao DNA, interagindo diretamente com ele para regular as atividades dos genes.

02.GENES

REPRESSORES: são proteínas que podem se unir forte e especificamente a um segmento curto (10 a 12 nucleotídeos) do DNA, denominado operador, que precede os genes estruturais, impedindo o processo de transcrição. Eles bloqueiam, portanto, a síntese das moléculas de RNAm correspondentes, como veremos adiante em “indução enzimática (operon lac)”. Cada repressor bloqueia a síntese de uma ou mais proteínas e, da mesma forma que as demais proteínas, eles são codificados pelo DNA cromossômico. A codificação dos repressores é feita, especificamente, pelos genes reguladores, como mostra a figura abaixo. Já foi isolado um grande número de genes reguladores mutantes, incapazes de codificar repressores funcionais. Assim sendo, as células dotadas desses genes inativos produzem suas proteínas o tempo todo, mesmo na ausência de lactose, ou seja, independentemente de sua necessidade. Esses mutantes são conhecidos como mutantes constitutivos, e as proteínas que eles produzem são denominadas proteínas constitutivas. A figura a seguir mostra o controle dos repressores pelos genes normais e mutantes para a beta-galactosidase.

03.ASES

Os repressores podem existir tanto na forma ativa como na forma inativa, dependendo se estejam combinados ou não com seus indutores ou co-repressores apropriados, como mostra a figura abaixo. Dessa forma, a união com um indutor inativa o repressor (ver indução enzimática, adiante), e a união com um co-repressor converte um repressor inativo na sua forma ativa (ver repressão enzimática, adiante).

04.ADIANTE

Algumas mutações nos genes reguladores podem ser suprimidas por mutações supressoras em outros genes. Dessa forma, a presença de um gene supressor pode restabelecer a síntese de reguladores funcionais.

OPERONS INDUTORES E OPERONS REPRESSORES: alguns operons, como o operon lac, primeiro operon identificado e descrito, atuam promovendo a indução enzimática, enquanto outros, como o operon his (relacionado com a síntese do aminoácido histidina), atuam promovendo uma repressão enzimática.

INDUÇÃO ENZIMÁTICA: forma genética de regulação enzimática na qual a síntese de uma enzima aumenta por ação indireta de certos metabólitos, conhecidos genericamente como indutores. O operon lac, que será estudado adiante, constitui um exemplo de indução enzimática. Lembramos que essa regulação também ocorre em relação à degradação de outros açúcares e diversos aminoácidos e lipídios.

REPRESSÃO ENZIMÁTICA: forma genética de regulação enzimática na qual a síntese de uma enzima é reprimida, indiretamente, pela ação de certos compostos, conhecidos genericamente como co-repressores. O operon his (do aminoácido histidina), que veremos adiante, é um exemplo de repressão enzimática. Essa regulação também ocorre na síntese de outros aminoácidos, como triptofano (operon trip), fenilalanina (operon phe) e treonina (operon thr).

INDUÇÃO ENZIMÁTICA (OPERON lac)

A figura a seguir mostra, esquematicamente, o mecanismo de ação do operon lac. O gene regulado (R) codifica uma proteína repressora, denominada lac-repressor, que se liga ao gene operador (O), impedindo, dessa forma, a iniciação da transcrição dos genes estruturais (policistrônicos), responsáveis pela codificação das proteínas beta-galactosidase, lactose permease e beta-galactosidase transacetilase (operon “desligado”). Percebe-se, portanto, que embora o operador seja o que determina a atividade dos genes estruturais, ele está sob o controle do repressor. Quando a lactose penetra na célula, ela se combina com o repressor, inativando-o. O repressor lac é, portanto, uma proteína alostérica, ou seja, apresenta propriedades diferentes de acordo com a sua conformação, podendo se ligar ao DNA (operador) ou à lactose (indutor). Como consequência da inativação, o repressor não se liga ao gene operador, que, não bloqueado, “permite” a transcrição dos genes estruturais, os quais passam a sintetizar RNAm que codifica as três proteínas mencionadas acima (operon “ligado” ou induzido). Dessa forma, a disponibilidade de um substrato, como a lactose, estimula a produção das enzimas que intervêm, direta ou indiretamente, na sua degradação. Quando o suprimento de lactose é utilizado, sofrendo redução, o repressor se liga novamente ao operador, “desligando” o operon. Trata-se, portanto, de um controle transcricional. Como se pode constatar, o lac-repressor controla a síntese de três enzimas diferentes (beta-galactosidase, lactose permease e beta-galactosidase transacetilase).

05.TRANS

Percebe-se, pela descrição do operon lac, que se trata de uma indução enzimática, já que a presença da lactose leva à produção das proteínas relacionadas com o metabolismo desse dissacarídeo. A lactose, por sua vez, funciona como o indutor. Pode-se pensar no indutor com um “interruptor” molecular que influencia a síntese da espécie única de RNAm (RNAm policistrônico) dos diversos genes estruturais.

Além da lactose, a glicose também influencia a expressão do operon lac. Dispondo de uma fonte suficiente de glicose para suas necessidades metabólicas, a célula não precisa recorrer à lactose, mesmo ela estando presente no meio. Neste caso, o operon não é induzido, mantendo-se, portanto, “desligado”, processo chamado repressão catabólica. A glicose inibe, portanto, o efeito indutor da lactose. Outros açúcares como a manose e a frutose também promovem uma repressão catabólica.

REPRESSÃO ENZIMÁTICA

Ao contrário da lactose, algumas substâncias agem reprimindo a produção de enzimas. A Escherichia coli, por exemplo, é capaz de, em condições normais, sintetizar todos os aminoácidos necessários ao seu metabolismo, a partir de amônia e de uma fonte de carbono.  Neste caso, se um determinado aminoácido, como a histidina, por exemplo, está presente no meio de cultura, a célula deixa de sintetizar as enzimas relacionadas com a biossíntese desse aminoácido. A figura abaixo representa, esquematicamente, um operon repressor. Na repressão enzimática, ao contrário do que ocorre na indução, o produto do gene regulador é inativo (repressor inativo), não inibindo, portanto, a transcrição dos genes estruturais (operon “ligado” ou desreprimido). Associado ao co-repressor, o repressor se torna ativo, liga-se ao gene operador e impede a atividade dos genes estruturais (operon “desligado” ou reprimido). Tomando o operon his como exemplo, é a histidina que vai se associar ao repressor inativo, tornando-o ativo. A histidina funciona, portanto, como co-repressor.

06.RE´P

Trabalhos desenvolvidos no início de 1990 mostraram que os operons também existem nos eucariotos. É o caso, por exemplo, de alguns  nematoides, como o Caenorhabditis elegans. Sabemos hoje que, nos eucariotos, os operons são mais comuns do que se supunha previamente.


Respostas

  1. PARABÉNS PELO TEXTO E CONTRIBUIÇÃO À CIÊNCIA.

  2. Prezada Eda
    Disponha da matéria em foco. Gostaria de saber, se possível, onde você irá ministrar o curso sobre nutrigenética e nutrigenômica.
    Sucesso
    Djalma Santos

  3. Muito obrigada prof. Djalma! O texto contribuiu muito para o meu estudo.

  4. Muito obrigada, professor, pelo texto tão elucidativo, que conseguiu sanar todas as minhas dúvidas momentâneas. São experiências como esta, que nos auxiliam no estudo extra-classe. Mais uma vez obrigada e, continue com este projeto tão significativo pra nós estudantes.
    Indicarei o site aos meus colegas

    • Prezada Fabiane
      Obrigado pelo comentário. “Use e abuse” do nosso blog.
      Sucesso na sua profissão.
      Um forte abraço
      Djalma Santos

  5. Gostaria de paraboliza-lo pela iniciativa e pelo domínio do conteúdo! realmente muito bom!

  6. Muito obrigado mesmo professor, o senhor está me ajudando e a outros a nos tornarmos profissionais e alunos melhores!

  7. Seus conteúdos são sensacionais, muito bem explicados, obrigada por ser tão generoso a nos passar tudo isso. Sucesso sempre!


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